sexta-feira, 7 de março de 2008

A MENINA E O CAVALO

Ele tentava domar um cavalo, branco, alto, cujas patacas na anca esfumaçavam o olhar da menina.
Ela olhava nos olhos do cavalo e era a única que conseguia tocá-lo.
As portas das cocheiras estavam semi abertas. Naquele longo corredor a dúvida dos passos.

A cena:O Cavalo branco de crina e pernas longas, corpo forte, pescoço largo e definido.Avistado de longe, um cavalo belo, imponente.Não era possível imaginar a sua fúria.
Naquele exato momento, por algum motivo que a menina desconhecia, o Cavalo não saía do lugar.Estava empacado.Sereno e calmo,inerte.Somente naquele ponto, entre a primeira e a terceira cocheira.O cenário, uma fazenda no meio da cidade.Eram nove cocheiras enfileiradas, todas com portas largas de madeira, paredes ásperas e o branco da tinta original se transformara em bege.No chão, rachaduras pequenas no cimento antigo deixavam brotar um matinho aqui, outro lá, algumas leguminosas ou simplesmente areia nos vãos.E lá, exatamente entre a primeira e a terceira cocheira estavam os dois.A menina de tranças, rosto rosado e o corpo um pouco mais bronzeado, calças curtas e braços finos, tão finos quanto as listras de sua camiseta, segurava o cabresto com leveza, olhando nos olhos do Cavalo, tentando convencê-lo a sair do lugar.Travavam um duelo, sutil e estranhamente inesperado.
De longe, ao final do corredor, uns sentados no banco de madeira, outros apoiados na cerca desgastada pelo tempo, estavam os trabalhadores da fazenda.Eram corpos e rostos igualmente desgastados pela lida no campo.As camisas eram desabotoadas, isso quando vestiam camisas.Um deles exibia sem querer um sorriso zombador, como se soubesse que mais dia menos dia, a menina perderia para o Cavalo.O segundo, mais velho, sentado, quieto, não falava nada, enquanto os peões riam e sentiam o prazer da possível derrota.Todos a espera do desfecho.
Sorrateiramente com passos fortes, e silenciosos, surge o administrador da fazenda.Olha com desprezo no fundo de todos os olhares, com excessão do velho sentado, e não diz nada.Pára, entre a sombra e a luz que vazava entre o telhado que cobre o corredor e a parte descoberta da cerca.Estava em frente à nona conheira e nenhum outro cavalo era avistado pelas portas de cima.
A menina olha para o fundo do corredor, percebe o corpo em sombra, digo em sombra, pois era dia, o sol de tão forte se encarregava de tornar a luz um artifício capaz de confundir as retinas. Ela sabia, sabia que corpo era aquele, sabia, simplesmente pela postura ereta, cabeça imóvel e pelo andar de poder.Calmamente, passo a passo em direção aos dois, o administrador se aproximava.E quanto mais ele se aproximava, mas a menina se desesperava, impotente, enquanto o Cavalo, imóvel permanecia.
A frente da quinta cocheira, sem olhar, apenas sentindo a respiração de um estranho, o Cavalo enlouquece, relincha e empina o corpo, fazendo com que o cabresto não estivesse mais em posse das mãos da menina.O administrador dá meia volta e desiste,
volta igualmente calmo, por dentro frustrado, mas ainda assim, de cabeça erguida e passa reto por todos os trabalhadores a caminho da casa sede.
A menina agora ofegante e completamente entregue ao Cavalo, chora, um choro decepcionado, um choro de cansaço quase calado, como quem vela um amor que se perde e não se pode sofrer.E os dois, a menina e o Cavalo voltam a travar o duelo.
Ela, agora desarmada pelas lágrimas, não sabe se permanece ou vira as costas.Ficam os dois inertes.O Cavalo olha nos olhos da menina, mas nada faz, ela por sua vez, fica cada vez mais triste, pois sabe que ele não a deixa tocá-lo nem mesmo através do olhar.
E antes que ela se entregue completamente ao desprezo do Cavalo, algo acontece,uma mulher se aproxima, observa, quer ajudar, mas ele corre, galopa, ensandecido, atropelando tudo, saltando as cercas, se embrenhando no mato e cai numa piscina, a piscina da casa sede.
A menina corre para a piscina, assiste , sofrendo, ao desespero do Cavalo, por não conseguir sair de lá.Os cascos batem na borda, não consegue saltar.Nada de um lado para o outro.Tenta sair pela margem esquerda e lá está ela, tentando lhe puxar, mas fica claro que ela não possui forças para carregar todo aquele corpo.
A mulher de longe observa, ciente de que não poderia intervir, apesar de mais forte que a menina, também não poderia sozinha, retirá-lo da água.As duas sofrem cada uma de seu jeito.A menina, desesperada, tentando de todas as maneiras, a mulher, de aparência fria, permanece calada a procura de uma solução, imagina chamar outros homens, mas desiste, pois os homens não se importavam, pensa em construir uma espécie de rede-guincho com os restos das tiras de borracha que normalmente usavam para amarrar cargas na carroça, mas fica apreensiva, pois levaria um tempo para construir, tempo esse que talvez o Cavalo não tivesse.
E ele , cada vez mais fraco se debate na água, afunda o corpo, ergue a cabeça, tenta nadar, mas as longas pernas estão cada vez mais fracas, cada vez mais finas.
De um lado da margem a menina.Do ourto a mulher, ambas impotentes.
A favor da menina, às lágrimas, em favor da mulher a frieza calculada.
E assim, nesse desespero passaram dias, noites. A menina definhava junto ao Cavalo.
A mulher sempre observando, mantinha a sua fortaleza, pensando e sabendo que ele não morreria.E elas se olhavam, uma sem entender o que aquela mulher fazia alí, parada, e de onde ela surgira.Outra observava.
No sétimo dia, a menina dormia de olhos meio abertos e não pecebia a mudança no corpo e na atitude do Cavalo. A mulher entrou na piscina, tomou o cavalo entre os braços, agora bem magro, esquálido, pequenino e frágil. Retirou ele das águas e caminhou segura, em direção à menina.Esta, sem entender, esfregou os olhos, como quem não acreditasse no que estava vendo, ficou com medo, indagou, o que faria para que ele não morresse.E a mulher lhe disse:faça uma cama de serragem bem macia, para que os ossos dele não tenham atrito com o cimento duro, não feche os olhos para a qualquer mudança, alimente ele várias vezes ao dia.
E seguiram, a menina cheia de esperanças, o Cavalo quase morto e a mulher apenas trânquila.


Maria S.

3 comentários:

Unknown disse...

oi

Unknown disse...

Amada amiga,
Vou ler todos , um a cada dia.
E vou fazer um blog também, para receber seus comentários.
Só não sei qdo vou escrever, uma vez que na noite o sono me rouba rápido para os braços dos meus.
Lindo conto.
bJS:
Karencitas

M.Knox disse...

Oi, Daniel, oi, karendear!!!
Ainda não me acostumei com esse negócio de blog...

bjbjbj
MK