domingo, 30 de março de 2008

Entreouvido por aí

- "Não senta não , filha! Aproveita pra malhar perna!"
Mãe instruindo a filha de dez anos no banheiro do bar Garota da Urca.

"Olha mãe, igual a Alzira!!!"
Menina de cerca de cinco anos, refeindo-se `a personagem de Flávia Alessandra na novela "Duas caras", enquanto se enroscava num dos ferros que sustenta o toldo da Pizzaria Guanabara, no Leblon. -

Revista O Globo, 30 de março.

Sempre passo os olhos nessa sessão da revista e muitas vezes dou risadas.
Mas hoje ficou meio difícil com essas duas frases.
Que mulheres estão criando essas crianças?
Que mundo é esse onde criança vira um mini adulto aos olhos de todos e tudo parece muito normal.
Lembro agora de minha querida amiga Karen, contando sobre um festival de teatro infantil na França e das apresentações de dança de cada país. Crianças como o reflexo de uma cultura. A brasileira, lógico, rebolava e mostrava toda a sensualidade nos seus poucos dez anos de idade.

Sempre tive a impressão que mesmo com toda essa revolução libertária da mulher, continuamos sim, sendo muito mal criadas. Mal criadas pelas mães que sempre perguntam mais dos namorados do que como estamos nos sentindo.
Mal criadas, pois numa conversa de bar, sempre tem uma mulher completamente dependente de um homem.
Criadas, não para ter auto-estima, e sim para sermos desejáveis.

Isso é um insulto a alma feminina.
Quando digo que não gosto da febre "Sex in the city", e todas me olham com desdém, é justamente por isso.
Vi umas duas vezes e acho que aquela porcaria reduz a alma feminina a sexo, dependência, e futilidades.
Não sou intelectual, gosto de fazer compras, gosto de namorar, brigo com a balança, tenho dias carentes, mas não gosto e não aceito me reduzirem a isso.
Ataco a geladeira de madrugada, acredito na construção de uma família, adoro quando abrem a porta do carro para mim, mas também gosto de ler poesia, amo poder pagar as minhas contas, fico mega feliz quando meu trabalho é reconhecido,
sofro pelas crianças no sinal, tenho sonhos acordada, e desejo a liberdade.
A liberdade de poder ver crianças sendo criadas como crianças e não sendo metralhadas o tempo todo com as frustrações dos pais.
Um assassinato!

As próprias mulheres estão esquecendo da alma feminina e matando a verdadeira beleza em prol de criar seres desejáveis, que serão facilmente consumidos e quando cheios de vazio, poderão consumir os outros, as coisas, cada vez mais.
É isso, alimentando essa doença moderna.


Posso completar o entreouvido por aí...

"Sorvete engorda muito minha filha, assim ninguém vai te querer."
mãe para uma menina linda de uns sete anos, na fila do supermercado Zona Sul, Leblon.

"Você não conseguiu nem segurar um marido heim? Esse teu gênio..."
Avó falando pra neta separada, pois o marido era alcoólatra.

"Igual a esse você não vai arranjar!"
Mãe, aconselhando a filha de treze anos a não terminar com o namorado

Onde isso vai parar?

Estou com pena dos homens. A mulher moderna quer independência, mas acha um absurdo ele não pagar as contas, quer que ele abra a porta do carro, mas quer ir para Micareta com as amigas. Quer que ele seja romântico e mande flores, mas não abre mão de dizer que o Marcinho, aquele amigo incrível, que provavelmente dá em cima dela, é um cara ótimo!
Quer todos os outros homens olhando para ela na Boate, mas não quer o homem "dela" olhando para o lado.

Eu mesmo, perdi o referencial do que é ser uma mulher moderna e joguei no lixo o amor de um homem de verdade por pânico em não querer ser uma mulherzinha. Pânico em não ser apenas mais um par de pernas.

Vamos criar crianças melhores, por favor.

Maíra Knox

Deu no O Globo ontem: 273 mil acidentes no trabalho infantil.

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