terça-feira, 2 de abril de 2013

Da série filmes que valem: Assédio, Bertolucci O urinar da bela negra paralisada já anuncia: um bom drama da vida real. O negro azul na tela, os cantos africanos, a terra, um ditador. Uma áfrica bonita e sofrida, que acredito estar no imaginário de muitos. Apesar de não morrer de amores por um cenário italiano, o fato de Roma ser universal me deixou confortável com o lado comum das vidas envolvidas, a espera na fila, o metrô, a boate. A decadência de um passado, uma viela italiana, terraço de lençóis, um piano a sala. A tentativa de aproximação dele com uma partitura interrogação me fez recordar um presente que comprei para um namorado. Um relógio azul que coloquei numa caixa e uma folha dupla com o escrito: “tempo...tic-tac.” Seria o presente do dias dos namorados. Como não compreendi o presente, nunca entreguei. Ela guarda a partitura junto de seus pertences. Ele declara o seu amor e a assusta claro, nenhum dos dois conhece os sofrimentos individuais. O choro na porta e o pedido de libertação do marido, a outra parte dela, perdida na áfrica. Não há espaço para Kinsky, que representa o novo, desconhecido, raiva. Sem mais falar sobre o assunto seguem seus dias, suas vidas. Ela se esconde, mas numa pequena metáfora o pano cai, atravessando o ar das escadas circulares. Delata sua atenção e olhos virados a ele. A observação mútua e constante dos dois me agonia um pouco, pois a distância é sempre mantida. Os dois pouco se falam, só entra no filme quem puder creer que a paixão simplesmente acontece, se aproximam na observação. Um olhar, um jeito de balançar as pernas, uma meia engraçada, o costurar um botão da blusa, uma bainha da calça. Conforme ele empobrece sua música cresce, se mistura a energia africana, a entrega. Ele, poe em risco sua arte, sua integridade. Peixes pretos no aquário bojudo, sombra das escadas na parede, tons pastéis das paredes e de alguns objetos empoeirados, os limpos são escuros e o contraste dos tecidos africanos que ela se enlaça para dormir. Ponto para a direção de arte. Cenas top 5: - o urinar nas calças - o subir os degraus e sua sombra se deslocar da sombra das escadas impressas na parede. -Ele compõe ao som do aspirador de pó, um dos poucos momentos que eles existem no mesmo espaço, no mesmo som. Cúmplices. -Lençóis ao vento o sol e a silhueta das plantas no terraço -Ela jogando água e sabão no mosaico do chão central da escada O filme tem vários mosaicos, mas sem imagens de sentimentos manipuladores. Bom, isso tudo para dizer que é um belo filme, que me fez pensar em algumas coisas. Onde a razão some por conta do desejo? O que é sedução e o que é invasão? O que é a mente do outro? Como conviver com os desejos e sentimentos que são só nossos e estão em constante movimento? Para onde queremos, enquanto humanidade nos mover? Fala-se tanto de amor, entrega, escolhas, coisas que não podemos mudar, raízes, ódio, medo, do poder sobre nós mesmos e sobre os outros. Reorganização dos sentimentos e do entendimento de nossas naturezas, boa parte disso tudo está morando em nossas mentes. E o que andamos fazendo por aí por conta do que está em nossas mentes? Guerra, destruição, tirania? Sensação que escrevi há algum tempo: a gente constrói tantas casas, coisas, imagens, arrumações de cenários nos nossos mundos internos, quase secretos, cheios de referências e associações, desde a música escutada ao tom da luz no céu nublado. Infinitas lembranças de sensações, que tenho a impressão de que é necessário desconectá-las, ou não existirá espaço interno para fazer novas imagens, sensações e relações. Espaço vazio para coisas novas. Ou então, deixaremos os novos convidados sentados no meio fio com chuva nos cabelos enquanto nossas casas estão cheia de pessoas, padrões e situações mortas. MK